No dia 9 de Fevereiro foi o funeral do nosso sócio fundador nº9
Eng. Carlos Manuel Braga de Beires.
Na missa de corpo presente, celebrada na Igreja do Foco no Porto,
com a presença de muitos familiares e amigos foram lidas duas cartas:
Uma da neta Caroline Vitória para a sua Avó Bugia (esposa do falecido)
e lida por ela própria (fac simile do texto manuscrito em duas páginas);
Outra da neta Inês Morujão Beires para o seu Avô Carlos. A Inês impossibilitada
de estar presente, por se encontrar na Suissa a fazer o seu ano lectivo de Eramus,
mandou a carta que se transcreve a seguir, e que foi lida por sua Mãe.
"
Para o meu Avô
Em pequenina ensinaram-me que todas as histórias começam por "Era uma vez". As histórias do meu avô não, que as que são verdadeiras não começam assim, nem se fazem de clichés. Lembro-me de achar que todos os avôs usavam boina e mãos atrás das costas quando andavam. Um palmo e meio mais tarde, e centenas de marchas de Berlim depois, eu aprenderia que era preciso muito mais que uma boina para fazer um avô, e infinitas boinas para fazer o meu.
Da sua pequena "Padre António Vieira" - como me baptizou logo nas minhas primeiras (demasiadas) palavras - o avô viu-me crescer em muitas frases e poucas equações matemáticas. Das coisas que me contava - à distância de dias ou de 100 anos, de tão presente me parecia na história do mundo - eu admirava as circunferências perfeitas do avô Rodrigo, as travessias do tio José, e aprendia as histórias de quem ainda não conhecia e viria a estudar nos livros da escola. E as datas eram sempre exactas, como as notas da pauta, que a memória precisa do avô não lhe falhava e faria as delícias dos meus professores.
Depois vieram as incógnitas e as equações, físicas e químicas da vida, das quais eu lhe falava, como quem fazia queixa, e às quais o avô fazia aquele sorriso divertido, de quem compreende essas realidades científicas. Não interessava o quanto eu crescia, as minhas dúvidas académicas - e não só - sempre tiveram resposta, na rara sabedoria de quem, nos disparates dos netos, encontra sempre bons pretextos para histórias interessantes. No entanto, se cresci entre as viagens e peripécias da família Beires, a verdade é que raramente ouvi as histórias na primeira pessoa, e nunca o avô se gabava de ser um extraordinário pianista, ou até de ter tocado com a Guilhermina Suggia. No avô, era isso que mais me impressionava - a inteligência e a humildade de que se fazem os grandes Homens.
O meu avô era isso mesmo: um grande homem. E mesmo quando a altura dos meus tacões me aproximava da sua inseparável boina ou da sua forma característica de sorrir com inteligência e meiguice (ou com a doçura do chocolate de que ambos tanto gostávamos) a altura do avô era a das grandes árvores - raízes bem assentes na terra, ramos certeiros ao céu, das que dão flores, frutos e folha persistente. Porque, como em todos os grandes contadores de histórias, a persistência do avô era a das coisas e palavras que não morrem.
Como as histórias que contava, também a História do avô não começa por "Era uma vez", e muito menos leva o "Fim" em nota de rodapé; porque a verdade é que o tempo e a permanência são, como tudo, uma questão de perspectiva, ou música: os silêncios são apenas pausas, e os vazios não são mais do que presenças transparentes.
Ontem, como hoje, e como todos os dias, levo e sou um bocadinho dessas viagens que contava, do clã e da família de que me ensinou a fazer parte, um trecho dos addagios e allegros que ouvi no seu piano. Sou hoje, como sempre, na Suiça ou em qualquer parte do mundo, um pedacinho do meu Avô, na certeza de que a presença é mais que a física das partículas, e que a ausência é a das pautas da marcha de Berlim: uma pausa.
Até já, Avô.
Inês "
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