terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

História de um brinquedo

7. História de um brinquedo bem brincado (escrito em Abril de 1995) (1)
Era Outono de 1951. Tinha feito dois anos que minha mãe falecera e eu vivia uma meninice triste e isolada, sobre os olhares super-protectores de minha avó. Naquela época do ano secavam-se os figos no “passadoiro”. A azáfama do meu Avô com a apanha, seca e escolha dos figos, bem como com uma multitude de outros trabalhos agrícolas, passava-me ao lado sem que nela me fosse permitido participar. A mim, menino da cidade, neto varão primogénito, entregue aos cuidados dos avós por infortúnio da doença e morte prematura de minha mãe, não me era pedido mais do que apetite para comer e paciência para aprender e participar nalgumas rezas. Tinha contudo, como companheira de infortúnio minha irmã, mas mesmo ela pouco colaborante em jogos e correrias. Nessa tarde calma e doce de Outono eu esperava com alguma ansiedade o meu Pai vindo de Lisboa. Lembro-me de o ver chegar radiante e com uma grande caixa de cartão nos braços. Nessa semana ele tinha posto de lado o seu natural pendor para a “forretice” de que eu também herdei costelas, para gastar uma boa fatia do seu ordenado num brinquedo caro, para mim que fazia seis anos. Na ânsia de o ver funcionar logo lhe dei corda e o pus a andar na varanda da casa dos meus avós. Nesse primeiro dia logo ficou marcado pelo acidente que sofreu ao despenhar-se pelos degraus da varanda, sofrendo um empeno no chassis que ainda hoje se nota. Sei que meu pai adquiriu esta camioneta de brincar marca “Gama” e de fabrico alemão no “Biagio Flora”, loja de brinquedos na Rua do Ouro que ainda hoje existe (2). Alguém me disse que terá custado 500$00, soma realmente avultada para dar por um brinquedo naquela altura. Foi talvez o brinquedo mais brincado que eu tive na minha meninice. A seguir a mim ainda serviu para muita brincadeira dos meus irmãos. Lembro-me dele já muito estragado, abandonado e cheio de pó, no cimo dum armário de vestidos onde se depositavam várias “cangalhadas”. Assim permaneceu 15 ou 20 anos, até que eu o recolhi, recuperei e com ele comecei uma colecção de brinquedos antigos. (1) Camioneta de fabrico alemão (1951-1954) ; modelo LKW 501, marca GAMA – ver ficha da colecção de brinquedos nº1 (2) Meses depois de escrever estas linhas, a loja fechou as portas, talvez mais uma vítima das grandes superfícies comerciais e da desertificação da Baixa Pombalina.

Foto de Marijoana

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Marijoana já foi brevemente referida num pequeno texto meu de memórias, escrito em 1996 (texto que incluí no livro “Cândido Victória e descendência”)

Volto a ela, como figura relevante da casa dos meus avós dos Soudos: Que vidas? Que contra-tempos? Que desgraças? terão acontecido a esta mulher ainda jovem na altura para ter de largar, a sua aldeia, os seus filhos e os seus parentes para ser contratada por uma família abastada como ama de leite numa nova casa que passa a ser a sua até ao final dos seus dias. Julgo que foi para dar leite e tratar do meu tio José Cândido (nascido em 1921) que ela terá vindo. Mas sei que a minha mãe Teresa, nascida no ano anterior, também tinha um grande carinho por esta mulher, assim como todos os outros meus tios mais novos. Também não sei se teria dotes especiais de aleitação que terão servido para nutrir alguns dos meus tios nascidos posteriormente. Dela me lembro com seu ar peculiar, meio divertido, meio agastado, mas para mim sempre de pessoa idosa pois pertencente à geração dos meus avós. Acabada a longa tarefa de aleitar e cuidar de sete meninos, Marijoana dedicou-se com grande empenho às aves domésticas que habitavam a grande capoeira e aos patos e perus que deambulavam pelo pateo e campos anexos. Lembro-me dela a fazer ração de urtigas que ela cortava e migava com as suas mãos calejadas e à prova de picadelas, lembro-me também de ela me levar aos cestos onde as galinhas punham os ovos e que depois chocavam alguns que viriam a dar nova família de pintainhos; lembro-me ainda das coelheiras onde abastecia os respectivos habitantes de verduras colhidas por ela nos campos logo de manhã cedo. Também me lembro de ela ter levado um inesperado coice duma cavalgadura que a deixou prostrada e dorida por uns dias. Mas além das tarefas fora de casa Marijoana não deixava de ser a figura tutelar das empregadas domésticas cujas tarefas eram cozinhar, limpar e tratar das roupas (depois ainda havia as costureiras que vinham passajar meias, toalhas e lençois e mais tarde preparar enxovais das meninas casadoiras, e ainda as lavadeiras que recolhiam a roupa suja e a iam lavar ao tanque e pôr a secar). De quando em vez Marijoana recebia umas visitas, embora muito espaçadas, de familiares com quem conversava ao portão da quinta sem nunca as trazer para casa. Ficamos sem saber a quem deixou entregues os filhos, se aceitou esta nova vida por lhe ter falecido algum filho à nascença ou ainda muito bébé, se por imperiosas necessidades económicas ou por desavenças insanáveis. Sabemos contudo que ela expedia regularmente uma parte do seu salário e tratava ela própria desses envios pelo correio. Marijoana uma figura tutelar e incontornável da Casa Mãe dos Soudos entre as décadas de 20 e de 60 do século passado (faleceu no ano de 1963 e ignora-se o ano do seu nascimento)

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Licor de tangerina

6. Licor de Tangerina Bebi lentamente o último cálice do conteúdo que restava na garrafa e fiquei olhando e relembrando através daquele rótulo manuscrito pela caligrafia certa e determinada da minha Avó. São tempos que se perdem nas recordações de infância, mas que tento relembrar nestas linhas. Aquele licor era possível porque congregava uma série de recursos e tarefas que vou tentar resumir: -a vinha e a vindima com as dornas das uvas lentamente transportadas por carros de bois; - o trabalho da adega com o desengaçador accionado manualmente, a pisa, a tulha do mosto fervente e a prensa de parafuso; - o alambique e a destilação do bagaço para a obtenção da aguardente ; - o pomar onde nos fins de tarde de estio se regavam os pés dos citrinos com a água dos poços puxada pelos alcatruzes das noras. Depois vinha o Inverno e com ele a maturação das tangerinas. Algumas das cascas eram aproveitadas e cuidadosamente raspadas pelo interior. Por fim era a infusão destas na aguardente em grandes frascos de vidro. Tal infusão durava meses até o licor ganhar o seu sabor e côr característicos. Assim se produzia uma bebida toda feita de recursos caseiros (excepto o açúcar). Não provinha de nenhuma destilaria industrial, não tinha uma marca imposta publicitàriamente, nem a sua confecção fora decidida para conquistar determinada quota de mercado. Por isso brindo em memória da minha Avó e de todos aqueles que participaram na longa cadeia da confecção deste licor. (Resumo de texto publicado no Jornal “Cidade de Tomar” em 25 de Maio de 1979)

Recordações de lume

5. Recordações de Lume ( 1 / 1 / 87 ) Guiava pela noite dentro. O nevoeiro descia, adensava-se lentamente e com ele vinham uma mistura de cheiros campestres e aldeões que acordavam recônditas zonas das memórias da minha infância. Aí permaneciam intactos registos dos perfumes dos fornos de lenha, lareiras, braseiras e fumeiros. Tempos em que o fogo não era um luxo decorativo e dispensável, mas que fazia parte da vida quotidiana desde o acender do fogão a lenha, de madrugada, até ao serão à lareira, passando pelas brasas nos ferros de engomar e nas redondas braseiras. Essa era uma idade do fogo companheiro e das labaredas despoletando fabulosos enredos nas teias da imaginação. Idade já moribunda quando eu a experimentei na minha infância e que agora se tornava fisicamente presente pelos cheiros que inalava viajando aldeia após aldeia, Ribatejo acima. Rolava, deixando a cidade para trás a aproximando-me do pequeno mundo onde vivi a minha infância triste e solitária, mas apesar de tudo cheia de recordações.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Soudos Revisitado II

- Fevereiro de 1989 No Domingo passado partilhámos pratas, pocelanas e vidros dos meus Avós nos Soudos. Foi uma tarde de reunião à volta da grande mesa da sala de jantar, mesa que quarenta e tal anos atrás também serviu de palco para eu aprender a andar. Antes disso houve almoço informal na Adega e eu ainda aproveitei para uma escapadela até ao jardim onde tive a agradável surpreza de encontrar os velhos buchos aparados. Ladeando uma das noras lá continuavam as romãzeiras, encarquilhadas, nuas, ressequidas por um Inverno sem água, mas nos ramos mais altos ainda sobravam algumas romãs guardando os seus pequenos bagos vermelhos sumarentos

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Soudos revisitado I

4. Agosto de 1983 No fim-de-semana passado fomos dormir aos Soudos. Levámos pela primeira vez o André para a bisavó Vitória o conhecer. Pisei de novo as pedras do páteo da minha infância, passeei no jardim, agora decrépito e sem jardineiros que o cuidem. Recordei com saudade a velha figueira desaparecida bem como o laguinho do cágado destruído. Aquele jardim é inseparável da minha meninice apesar da clausura em que muitas vezes me encerrou nos seus muros que impediam o contacto com os “cachopos” da minha idade. Visitei a capoeira outrora repleta de criação e coelhos e agora reconvertida em curral de ovinos. Entrei no palheiro onde coabitaram garbosos animais de tiro e cela, hoje reduzidos a uma pachorrenta mula. Subi a encosta até à eira e recordei as medas de trigo por ceifar e a debulhadora a trabalhar no pino de Verão envolta em poeira. Desci ao passadouro que se preparava para mais uma campanha de figo (actividade quase em extinção) e recordei o cheiro característico dos figos a caminho de passas e as abelhas a zumbirem por cima dos tabuleiros, recordei ainda as recolhas apressadas dos mesmos tabuleiros em pilhas quando vinham as indesejadas chuvas de Verão. Fui à adega, agora imprestável, recordar a chegada dos pesados e lentos carros de bois carregados de dornas repletas de uvas e o ruído característico de desengaçador a separar os bagos que iam enchendo a cuba de fermentação. Por fim, fui ao lagar recordar a campanha do azeite e a chegada dos pequenos frutos pretos e reluzentes apanhados de “empreitada” ou “à jorna” nos olivais do meu Avô por ranchos de gente misérrima vindos vindas das Beiras. O lagar fez-me lembrar o Inverno, a lama nos campos e no jardim e o vento que uivava na janela da casa de passar a ferro. Como era triste aquela minha infância, apesar de toda a azáfama agrícola circundante, e como deixou marcas irreparáveis de solidão! No entanto tinha de lá voltar porque lá estava a Avó curvada pelos noventa anos, mas resistindo surpreendentemente ao tempo.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

A sesta

Texto respigado do meu caderno de memórias: 2. A S e s t a A sesta era um necessário e obrigatório interregno para a labuta agrícola que se fazia então de Sol-a-Sol. Ainda lá está (na casa dos meus avós maternos) a sineta que marcava com o seu toque o “pegar” e o “despegar”. Não era assim para mim, que me obrigavam a uma recolha à cama para um descanso não necessário nem desejado. Como eram infindáveis aquelas sestas obrigatórias em que me consumia a olhar para um velho relógio despertador com duas campânulas, quais reluzentes seios que retardavam o retinir das esperadas campainhadas! Revolvia-me em ânsias de movimento, exasperava-me em horas paradas, sofria-me em ausências de companheirismo, de alguém com quem jogar, correr e sonhar. Assim me fiz um menino triste, tímido e enfastiado. Um mundo de adultos - Avós, tios, criadas e criados circunscrevia-me e aprisionava-me nessa minha meninice entediada, ao mesmo tempo tão cheia de protecção e tão carente de aprovação ou simplesmente de alguém a quem atirar a bola. Assustavam-me os corredores longos e mal iluminados e as noites escuras sem lua. Ao menos podiam ter-me ensinado a olhar para os planetas, estrelas e constelações mas ficava tolhido no meu medo, circunscrito às paredes duma casa. Eram assim limitados, os horizontes duma vida que se enrodilhava em vez de despontar da infância. Mas um núcleo saudável dentro de mim lá me ajudou a sobreviver para escrever estas linhas. Lisboa, Março de 1996

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Chamada de atenção

pode ser que nem todos os leitores deste blog saibam que podem ver as fotografias nele publicadas ampliadas, bastando para isso "clicar" com o rato em cima delas.

Respigando memórias

Do meu caderno de memórias respiguei meia dúzia de pequenos textos (que ainda não foram publicados) e que têm a ver com a minha vivência nos Soudos, na casa dos meus Avós. Publicá-los-ei a partir de amanhã, um por dia

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Recordando o nosso Navegador - acontecimento memorável

Vai fazer 36 anos em Maio que chegou a Lisboa o nosso associado Manuel Castelo Branco Azevedo Mendes, depois duma navegação solitária de 108 dias, vindo da Africa do Sul e trazendo a bordo o leme para a caravela em construção em Vila do Conde. Notícia saída na altura no jornal Diário de Notícias:

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Falecimento do José Dias

No início desta semana faleceu o Senhor José Dias, marido da Isabel. José Dias trabalhou durante vários anos na Quinda da Cerca sob a orientação primeiro do Tio Manuel Azevedo Mendes e depois do falecimento deste do Tó Azevedo Mendes. Sua esposa Isabel continua a colaborar com a Associação dos Amigos da Cerca. Ontem, vários membros da Casa Azevedo Mendes dos Soudos participaram nas cerimónias fúnebres do Senhor José Dias com missa de corpo presente na capela dos Soudos e cortejo funebre, a pé, até ao cemitério dos Soudos. Ficam aqui escritos os nossos pêsames à viuva Isabel e seus filhos, netos e bisnetos.

Outra foto antiga tirada na sequência da anterior

Imagino que o fotógrafo desta terá José Cândido uma vez que não aparece nela. Em vez dele aparece Nuno Mourão escarranchado no guarda lamas da viatura. Ao fundo, do lado direito, pode divisar-se o casario dos Soudos. O proprietário da viatura seria o pai de Nuno Mourão, meu avô : Dr. Libério Mourão

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Texto sobre a foto anterior:

Foto tirada provavelmente por Nuno Mourão em 1939. Local: estrada de ligação das aldeias de Pé de cão e Vargos Na viatura é possível reconhecer os manos Azevedo Mendes dos Soudos : José. Manuel, João e Fernando As cavaleiras serão as manas Maria Cândida e Maria de Jesus (Bugia) e a prima destas Gina

Mais uma foto antiga

sábado, 4 de fevereiro de 2023

Carlos Augusto Dinis da Fonseca


  Página do livro livro do final de Curso  jurídico  dedicada ao nosso primo Carlos Augusto
com poemas que ilustram bem o seu peculiar carácter  (livro gentilmente emprestado pela sua sobrinha Isabel