quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023
A sesta
Texto respigado do meu caderno de memórias:
2. A S e s t a
A sesta era um necessário e obrigatório interregno para a labuta agrícola que se fazia então de Sol-a-Sol. Ainda lá está (na casa dos meus avós maternos) a sineta que marcava com o seu toque o “pegar” e o “despegar”. Não era assim para mim, que me obrigavam a uma recolha à cama para um descanso não necessário nem desejado.
Como eram infindáveis aquelas sestas obrigatórias em que me consumia a olhar para um velho relógio despertador com duas campânulas, quais reluzentes seios que retardavam o retinir das esperadas campainhadas! Revolvia-me em ânsias de movimento, exasperava-me em horas paradas, sofria-me em ausências de companheirismo, de alguém com quem jogar, correr e sonhar.
Assim me fiz um menino triste, tímido e enfastiado. Um mundo de adultos - Avós, tios, criadas e criados circunscrevia-me e aprisionava-me nessa minha meninice entediada, ao mesmo tempo tão cheia de protecção e tão carente de aprovação ou simplesmente de alguém a quem atirar a bola.
Assustavam-me os corredores longos e mal iluminados e as noites escuras sem lua. Ao menos podiam ter-me ensinado a olhar para os planetas, estrelas e constelações mas ficava tolhido no meu medo, circunscrito às paredes duma casa. Eram assim limitados, os horizontes duma vida que se enrodilhava em vez de despontar da infância. Mas um núcleo saudável dentro de mim lá me ajudou a sobreviver para escrever estas linhas.
Lisboa, Março de 1996
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