sábado, 13 de maio de 2017

MariJoana

                         MariJoana e as Lembranças da Variada
                             e Quase Auto-Suficente Actividade da
                           Casa Agrícola dos Meus Avós Maternos
           
           

            MariJoana descia de madrugada do sobrado onde criou o seu lúgubre e misterioso refúgio. Acordava a restante criadagem para mais um dia de labuta que incluía o reavivar das chamas do fogão a lenha, os despejos das cinzas e outros lixos, a recolha de brasas para colocar nos ferros de engomar e nas braseiras, a ida à capoeira para tratar da criação, a recolha na horta de alguma hortaliça e de fruta no pomar.
            Vivi ainda dentro duma economia agrícola quase auto-suficiente com hortas, pomares, capoeira, pocilgas, curral de ovinos, estábulo de animais de tiro e cela, adega, lagar de azeite, destilaria de aguardente de figos, eira para debulha de cereais e forno de cozer pão. A estrutura produtiva agrícola mantinha-se quase intacta havia gerações. Só o velho moinho de vento, no cabeço sobranceiro ao cemitério tinha desaparecido enquanto elemento activo duma intrincada e bem urdida cadeia de produção. Só lhe restavam as paredes em ruína que eu escalava em tardes solitárias, para contemplar, lentos, suaves e envolventes Pôr-do-Sol por detrás da Serra d’Aire.
            Todo esse mundo ordenado entre senhores da terra e servos seus servidores, tão parecido com o que reinou durante séculos por toda a Europa agrária, ainda permanecia quase intacto, conservado por um estilo de governação e por uma ideologia que preferia a continuidade à mudança.
            Estávamos na fronteira entre o minifúndio do Norte e o latifúndio do Sul. Vi chegar o 1º tractor. Antes dele, e também antes de eu vir ao mundo chegara o vetusto locomóvel a vapor que accionava por correias a debulhadora de cereais e chegaram também os primeiros automóveis que iam convivendo com os veículos de tracção animal. A propósito destes, lembro aquelas tardes de Domingo em que saíamos de “breque” puxado por uma parelha de mulas e o cocheiro nos levava por tortuosa estrada de “maquedame” até à aldeia da minha bisavó materna (Argea).
(escrito por Manuel Maria Azevedo Mendes Mourão em Março de 1996).

P.S. MariJoana desde que foi ama de leite de minha Mãe e de meus tios adptou a casa dos meus avós até falecer em 1963. 
Publico a seguir foto dela tirada em 1954



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