sexta-feira, 3 de março de 2023
Soudos recordações equestres
Lisboa, 16/08/2000
Mal sabia andar já me levavam à garupa dos seus altaneiros cavalos.
Entalado entre a sela e o pescoço do animal, fustigado pelas crinas e atacado pelo mosquedo, aguentava a provação no meio de muitos incitamentos.
Não foi gostosa a aprendizagem da arte equestre nem fui longe nas lides com cavalos. Poucas foram as quedas mesmo naquelas primeiras experiências de montar sòzinho quando ainda não tinha comprimento de pernas para chegar aos estribos. Lembro-me contudo dum episódio caricato ocorrido numa das muitas saídas matinais acompanhando meu tio Manuel para uma vistoria a um rancho ocupado na apanha do figo. Montava um dócil animal, mas mesmo assim ainda o conduzia inseguro e não consegui evitar que ele se enfiasse debaixo de uma figueira. Passou com a garupa rente a um grosso ramo onde eu fiquei abraçado e pendurado para irritação do meu tio que me viu sujeito à humilhação duma risada geral do pessoal do rancho. Mas na adolescência quando ganhei algum domínio e à vontade com estes animais pude fruir inesquecíveis cavalgadas solitárias por recônditas veredas campestres; incursões até aos contrafortes da Serra d’Aire a Poente e, no sentido contrário, até ao vale do Rio Nabão a Nascente.
Algumas vezes me aventurei até Tomar utilizando caminhos secundários que encurtavam bastante a distância. Deixava o animal num estábulo à entrada da cidade e percorria a pé as ruas tratando de pequenas incumbências.
O Avô que fizera vezes sem conto esta viagem a cavalo na sua juventude quase me ralhou quando eu lhe contei que deixava o animal às portas da cidade em vez de aproveitar para me pavonear pelas ruas cavalgando a preceito. Esquecia-se que desde o seu tempo de menino e moço até ao meu, passara mais de meio século e então já não era prático nem seguro circular a cavalo na cidade. Estou a falar do início da década de sessenta, altura em que a circulação automóvel ainda não era caótica como hoje. Passear a cavalo no meio da cidade já não era comum, embora ainda houvesse muita carroça e alguns asnos e mulas a circular, mas o que entristecia o meu Avô era o facto de eu não ter nascido com vocação de marialva e de não tirar partido de tão belas oportunidades para dar nas vistas às meninas da cidade.
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