SOUDOS - Recordações dos seus ofícios artesanais
( Escrito em Abril
de 1999)
É
uma aldeia do interior ribatejano, bastante mais perto do mar do que da raia
espanhola. Mas entre o mar e a aldeia eleva-se a Serra d’Aire pequena, mas
barreira bastante para muitas das humidades atlânticas. Assim o clima é seco
com Invernos frios e Verões com calores de rachar. Os poços dão para regar umas
pequenas hortas e pomares. Para beber, a maioria das casas tinham as suas
cisternas que recolhiam dos telhados as águas das poucas chuvas. É uma espécie
de Algarve sem mar com figueiras e amendoeiras mas também com muitas oliveiras
e algumas cerejeiras.
A
energia eléctrica pública chegou já eu era menino espigado e a água canalizada
pública só uns trinta anos depois. Instalaram recentemente uma central de
bombagem ao lado do cemitério que puxa água do Castelo do Bode e a distribui
pelas aldeias da região. Mas a chegada destas infra-estruturas do chamado progresso
não foram suficientes para reanimar a economia rural em franca recessão.
Os
múltiplos ofícios artesanais que animavam económica e socialmente a aldeia
foram fechando uns atrás dos outros por falta de clientes ou por velhice e
incapacidade dos seus donos. Assim, a pequena comunidade rural quase
auto-suficiente transformou-se num incaracterístico dormitório de gentes que
trabalham nas vilas e cidades mais póximas.
-
Lembro o funileiro que soldava a
lata e que fabricava e reparava múltiplos utensílios ( em Tomar ainda se mantem
esta actividade tradicional que continua a ter saída mas mais como artesanato
turístico);
-
Lembro o ferrador que punha as
ferraduras em brasa na sua forja a carvão e depois as cravava nos cascos das
cavalgaduras que para o efeito eram imobilizadas numas giolas de madeira e
obrigadas a levantar à vez cada uma das patas;
-
Lembro a oficina metalúrgica onde
se reparavam as alfaias agrícolas e se fabricavam noras de elevação de água
movidas pela força de obedientes mulas ou problemáticos gericos;
-
Lembro ainda uma oficina de
tanoeiro onde já labutavam vários artífices e que fabricava barris que eram
expedidos para as diversas regiões do país produtoras de vinho;
-
Lembro também as várias destilarias
que fabricavam aguardente a partir do figo seco da região e as diversas adegas
que iam produzindo vinho para consumo próprio ou para as tabernas das
redondezas;
-
Lembro o lagar de azeite construído
pelo meu Avô onde havia um luxo dum gerador eléctrico que nos alumiava nas
noites de Inverno ( só no final da década de 50 é que as velas e candeeiros
ficaram sem préstimo com a chegada da iluminação pública a que já fiz
referência);
-
Lembro um improvisado matadouro de
suínos que todas as semanas nos brindava com altas berrarias dos bichos antes
de serem esfaquiados;
-
Lembro por (e muitas outras coisas
ficarão por lembrar) o quotidiano trabalho do padeiro local com o seu forno a
lenha que exalava pela aldeia um gostoso cheiro a pão acabado de cozer.
(acrescento
de Abril de 2004)
Não
quero com estas recordações esquecer a vida dura e miserável que levavam a
maioria das gentes que não tinham outros recursos para além dos seus braços e
que trabalhavam de Sol a Sol nas fazendas, oficinas, adegas, destilarias e lagares,
quando era tempo disso, dos proprietários agrícolas da terra.
Não
quero esquecer a praga do alcoolismo que corroía a incipiente vida social que
se gerava à volta das tabernas.
Não
quero também esquecer o frio que se rapava no Inverno, o calor que se suava no
Verão e a fome que às vezes batia à porta dos desafortunados pela doença e pela
desorientação da bebedeira
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