terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Recordações 3


SOUDOS REVISITADO    I   -   Agosto de 1983


             No fim-de-semana passado fomos dormir aos Soudos. Levámos pela primeira vez o André para a bisavó Vitória o conhecer.
            Pisei de novo as pedras do páteo da minha infância, passeei no jardim, agora decrépito e sem jardineiros que o cuidem. Recordei com saudade a velha figueira desaparecida bem como o laguinho do cágado destruído. Aquele jardim é inseparável da minha meninice apesar da clausura em que muitas vezes me encerrou nos seus muros que impediam o contacto com os “cachopos” da minha idade. Visitei a capoeira outrora repleta de criação e coelhos e agora reconvertida em curral de ovinos. Entrei no palheiro onde coabitaram garbosos animais de tiro e cela, hoje reduzidos a uma pachorrenta mula. Subi a encosta até à eira e recordei as medas de trigo por ceifar e a debulhadora a trabalhar no pino de Verão envolta em poeira. Desci ao passadouro que se preparava para mais uma campanha de figo (actividade quase em extinção)  e recordei o cheiro característico dos figos a caminho de passas e as abelhas a zumbirem por cima dos tabuleiros, recordei ainda as recolhas apressadas dos mesmos tabuleiros em pilhas quando vinham as indesejadas chuvas de Verão. Fui à adega, agora imprestável, recordar a chegada dos pesados e lentos carros de bois carregados de dornas repletas de uvas e o ruído característico de desengaçador a separar os bagos que iam enchendo a cuba de fermentação. Por fim, fui ao lagar recordar a campanha do azeite e a chegada dos pequenos frutos pretos e reluzentes apanhados de “empreitada” ou “à jorna” nos olivais do meu Avô por ranchos de gente misérrima vindos lá dos lados de Pombal.

            O lagar fez-me lembrar o Inverno, a lama nos campos e no jardim e o vento que uivava na janela da casa de passar a ferro. Como era triste aquela minha infância, apesar de toda a azáfama agrícola circundante, e como deixou marcas irreparáveis de solidão!  No entanto tinha de lá voltar porque lá estava a Avó curvada pelos noventa anos, mas resistindo surpreendentemente ao tempo.          

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