SOUDOS REVISITADO I
- Agosto de 1983
No
fim-de-semana passado fomos dormir aos Soudos. Levámos pela primeira vez o
André para a bisavó Vitória o conhecer.
Pisei
de novo as pedras do páteo da minha infância, passeei no jardim, agora
decrépito e sem jardineiros que o cuidem. Recordei com saudade a velha figueira
desaparecida bem como o laguinho do cágado destruído. Aquele jardim é
inseparável da minha meninice apesar da clausura em que muitas vezes me encerrou
nos seus muros que impediam o contacto com os “cachopos” da minha idade. Visitei
a capoeira outrora repleta de criação e coelhos e agora reconvertida em curral
de ovinos. Entrei no palheiro onde coabitaram garbosos animais de tiro e cela,
hoje reduzidos a uma pachorrenta mula. Subi a encosta até à eira e recordei as
medas de trigo por ceifar e a debulhadora a trabalhar no pino de Verão envolta
em poeira. Desci ao passadouro que se preparava para mais uma campanha de figo
(actividade quase em extinção) e
recordei o cheiro característico dos figos a caminho de passas e as abelhas a
zumbirem por cima dos tabuleiros, recordei ainda as recolhas apressadas dos
mesmos tabuleiros em pilhas quando vinham as indesejadas chuvas de Verão. Fui à
adega, agora imprestável, recordar a chegada dos pesados e lentos carros de
bois carregados de dornas repletas de uvas e o ruído característico de
desengaçador a separar os bagos que iam enchendo a cuba de fermentação. Por
fim, fui ao lagar recordar a campanha do azeite e a chegada dos pequenos frutos
pretos e reluzentes apanhados de “empreitada” ou “à jorna” nos olivais do meu
Avô por ranchos de gente misérrima vindos lá dos lados de Pombal.
O
lagar fez-me lembrar o Inverno, a lama nos campos e no jardim e o vento que
uivava na janela da casa de passar a ferro. Como era triste aquela minha
infância, apesar de toda a azáfama agrícola circundante, e como deixou marcas
irreparáveis de solidão! No entanto
tinha de lá voltar porque lá estava a Avó curvada pelos noventa anos, mas
resistindo surpreendentemente ao tempo.
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