Carlos Azevedo Mendes
e os Congressos das Misericórdias (este texto tem como fonte principal e
recorrente o livro da autoria do seu sobrinho Dr. Carlos Augusto Azevedo Mendes
Dinis da Fonseca e intitulado “História e Actualidade das
Misericórdias”)
A dedicação de Carlos Azevedo Mendes à causa das
Misericórdias não se confinou a Torres Novas. Desde que surgiu a ideia (em
1922) da realização do 1ª Congresso nacional destas instituições que ele se
envolveu na sua preparação e na defesa da tese da autonomia das misericórdias
contra a criação dum imposto em benefício das mesmas. Segundo ele, esta segunda opção iria colocar as
misericórdias na dependência dos governos e da política. O que para ele seria necessário era reparar as
injustiças causadas às misericórdias pelas leis de desamortização de 1861 e
1866. Sobre este assunto, Carlos Azevedo Mendes trocou correspondência com
Salazar em Outubro de 1923 quando este tinha acabado de terminar o seu mandato
como Provedor da Misericórdia de Coimbra (1).
Parece que nessa altura os dois comungavam da mesma opinião
e contavam com o apoio parlamentar de Joaquim Dinis da Fonseca(2). Este, tinha
apresentado na Câmara dos Deputados um projecto de decreto que não chegou a ser
apreciado e que daria às Misericórdias a possibilidade de não desamortizarem
imediatamente os seus bens de raiz e criaria um consolidado-ouro de 6% para
actualizar os juros de 2,1% que era o que as Misericórdias estavam a receber
pelos títulos das desamortizações que tinham sido obrigadas a fazer (3)
Na defesa publica da
sua tese, e pouco tempo antes da realização do 1º Congresso, Carlos Azevedo
Mendes concedeu uma entrevista ao jornal Novidades no dia 24 de Janeiro de 1924
onde falou da Caridade como fonte inesgotável das receitas das Santas Casas ;
na sua confiança na generosidade dos Torrejanos que tinham doado ao longo dos
tempos à Misericórdia local um património avultado, e no golpe fatal que a desamortização
imposta pelo Estado liberal tinha vibrado neste património e na estabilidade
financeira de todas as misericórdias. Considerava portanto que era necessário
reparar a injustiça cometida e que essa era a tese que o Congresso devia
defender.
Não restam dúvidas de que foi a angustiante situação
financeira em que viviam as misericórdias na sua generalidade o principal móbil
para a realização deste primeiro congresso que teve lugar em Lisboa entre 16 e
18 de Março de 1924 com a presença de 261 congressistas.
Nele se debateram duas teses principais: uma que reclamava
justiça e independência em relação ao Estado e outra que aceitava viver à
sombra do mesmo Estado e dos proveitos das contribuições. Os defensores desta
segunda tese também aceitavam os princípios de justiça e autonomia defendidos
pela primeira, mas parece que não confiavam que fossem suficientes para superar
a aflitiva situação financeira.
((
Embora uma análise detalhada deste congresso esteja fora do
âmbito deste artigo, poderemos acrescentar que ele teve efeitos práticos com a
publicação de legislação que criou um adicional de 5% que seria entregue às
Comissões Municipais de Assistência e que o distribuiriam pelas Misericórdias
dos respectivos concelhos. Conforme temiam os defensores da primeira tese, o
intervencionismo estatal na vida funcional das Misericórdias tornou-se
excessivo e as mesmas continuaram a viver com imensas dificuldades financeiras
(4).
Face à situação criada logo se pensou na realização doutro
congresso, o que aliás vinha na sequência do que se falara no encerramento do
primeiro (5).
Este segundo Congresso realizou-se entre os dias 19 e 22 de
Maio de 1929 na sede da Misericórdia do Porto com a presença de 294
congressistas (6), mais 33 do que no congresso anterior.
Também neste congresso Carlos Azevedo Mendes tem uma
participação activa sempre na defesa da autonomia das Santas Casas e reclamando
para as suas assembleias gerais a aprovação das contas que não deveria competir
às entidades estatais (7).
O Dr. Joaquim Dinis da Fonseca leu as Conclusões do Congresso
onde se destacam:
- o pedido de actualização dos juros dos títulos do Estado
que as misericórdias tinham sido obrigadas a adquirir pelas leis liberais da
desamortização;
- a reafirmação do caracter privado das Misericórdias mas
que não impede que o Estado as deva ajudar financeiramente
- a reclamação da aprovação das contas para as Assembleias
Gerais das Misericórdias e o envio em seguida das mesmas à Direcção Geral de
Assistência.
1 (1) Mais tarde, num discurso proferido no IV Congresso, Carlos Azevedo Mendes referir-se-há a esta troca de correspondência. Ver Actas do IV Congresso das Misericórdias, 1959, vol. III, pg.162
1. Quanto à carta de resposta de Salazar (doc. Inédito) ver o Anexo quinto do livro já citado “História e Actualidade das Misericórdias” que transcreve este documento.
(2) Figura politica muito próxima de Carlos Azevedo Mendes desde o tempo de estudantes em Coimbra e militantes do C.A.D.C.
(3) Diário do Governo, II Série, 20 de Março de 1922
(4) Ver “História e Actualidade das Misericórdias” pg. 169.
(5) Idem , pg. 170
(6) Segundo Congresso das Misericórdias, 1930, pg.5
(7) Idem, pg. 167